Eu versejo por todos os tempos e templos, por todas as épocas, tal qual um vampiro reinventando sua imortalidade... quero beber-te vermelho e tornar-te imortal... Boa Morte!

sexta-feira, 27 de março de 2009

A cena muda.

Tardava sentido no peito aquele grito, a revolta, o prejuízo e o pranto; tudo quanto emudeceu seco e inaudito nele.
Vê-lo à rua em suas passagens habituais – cadente, firme, largo, tez cuidada, toalete impecável, feição leve e pressurosa certeza gestual - poderia enganar qualquer diligente observador.
Seus ecos, só ele os trazia, silentes e acomodados junto a uma infinidade de muitos outros que não mais aturdiam, porquanto, como em barganha, um a um, lhes retiraram as sinapses sensoriais da emoção.
O mundo que mais se lhe afigurava cômodo e agradável era aquele donde assistir-se travando relações sabidamente fracassadas, quando muito, arrancava-lhe dos lábios sorrisos premonitórios de perjúrio. Nada conseguia merecer o adjetivo de novidade.
Submerso neste mundo ele propunha-se a caminhar entre as ruínas dos que ficaram ou insistiram em abandonar a sua promessa de ventura.
Igual, sorridente, agradável, gentil, paciente, educado, inteligente, generoso e respeitador, aquele que ali jazia andando era o único a poder supor de sua morte.
Se sua palavra trazia consolo, era mais pelo alívio que o abandono do ouvinte ao saber-se consolado lhe renderia que por qualquer atributo altruísta e piegas porventura conseguido. No olhar, o brilho e atenção pela impaciência na demora em presença de outros. O sorriso, para que, enganando a expectativa alheia, pudesse, tomado por cordeiro, ser livrado de amenidades, taxativa e preconceituosamente por ele batizadas como banais. Não tolerava mais que a sua presença mortiça sobre a terra, muito embora se esforçasse em parecer social pela paz que a aparente normalidade o trazia.
A sua, era mais uma dentre tantas faces descartadas no ir e vir das ruas. Inacessadas, desperdiçadas, errantes, tangentes... Faces como a do Senhor sentado ao banco da praça, da Velhaca distinta e puritana que alimenta os pobres, do porteiro, do vigilante, do amante. Mais uma história da qual nunca se ouvirá.
Sentiu frio o vento que súbito cortou sua tez e lhe fez encolher sobre o casaco, cruzou a avenida fazendo gestos com a mão para os carros que apressados ameaçavam seu caminho, jogou inflexível uma moeda a um pedinte e dobrou a esquina indistinguível; inapreensível sob gestos padronais, até para aquele garoto que de passagem no ônibus tentou captar, como que em jogo, seus pensamentos através do vidro. Foi-se em segundos pela esquina, até onde o olhar juvenil não o pode mais acompanhar; seguiu, como seguirá, carregando consigo, brado mudo, a possibilidade de ter dado a qualquer outrem a chance de mudar sua vida.