Eu versejo por todos os tempos e templos, por todas as épocas, tal qual um vampiro reinventando sua imortalidade... quero beber-te vermelho e tornar-te imortal... Boa Morte!

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Samsara

- Adeus, disse reticente, deixando soçobrar na entonação da sua voz o arrependimento por tê-la proferido. Como se somente após ouvi-la de si, tivesse conseguido entender seu real significado.
Disse e volveu lentamente a cabeça como se tentasse na escassez do instante aprisionar as cores, linhas, desenhos e sensações daquele lugar e gente. Parar o curso inexorável do tempo de forma a tê-lo gravado não só nas suas memórias, mas no seu corpo, na sua alma, na sua história. Queria fazer parte de tudo aquilo, mas seu olhar já era futuro, longe, diferente, destino, seu.
Em terra estrangeira sempre se sentira natal, e o era, até dono buscar a próxima inquietação.
De todas as casas, todas poderiam tê-lo visto nascer. De tantas pessoas: todas suas irmãs. Das famílias sentia-se possível filho... Era assim: parte de tudo; tudo quanto seus olhos via se encantava e tentava aprisionar, guardar, parar, ter, sentir...
Braços abertos, vento ao rosto, expectativa de chegar e hora de partir. Ir e voltar deixando ficar ali no azul daquelas águas, na força da arrebentação, nos sorrisos desconhecidos, nas bocas úmidas encostadas, noites e dias, o tempo eterno das coisas acontecidas.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Feitio.

Um vento de saia rodada e um olhar farol de criança... Ela chega.
Sorriso contidamente faceiro, exalando o aroma da camélia que acabou de colher para enfeitar seus cachos ruzios, gira e desce sob olhos fascinados.
Vermelhas suas pulseiras, morena sua tez reluzente e suave seu hálito morno, com ela e dela começa a música. Chocalham os guizos e o samba, veia acima, arriba a roda e embala as moças.
Sob gestos pontuais e intensos, discretos, o salão dança a luz que move circular todo o cômodo. As árvores saúdam o vento que as balança e a brisa marinha recende as memórias do cais... Tudo é mar, é infinito, é calor e calafrio, é suor e desatino, é ritmo, é guerra e entrega. É Paz.
Na pisada da gira, roda, no lampejo do instante seguinte, marcha certa, fronte rente, cochicha, evoca, toma firme sua saia, cabeça guia, passa vulto e vai embora.
Deixa viúvos os moços, orgulhosas as rosas e abandonados de sentido o povo que, no repente, mira longe o rastro de sua energia.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

12 de junho de 2009.


Nesta manhã, somente para você.
Você que me acompanha a tanto tempo e pouco diz sobre si.
Seus gestos sempre discretos. O cuidado com que cuidas de mim, das minhas coisas, dos meus.
Sinto-te presente desde as primeiras imagens que diviso ao acordar, até se pôr, acoplada, sua eclíptica noite aconchegante.
Este jeito de chegar e tocar, de olhar, de sentir e me permitir, de ir e deixar-se permanecer...
Hoje sou teu, menos eu. Mais você. Você quando, tanto, sem cessar. Você passado, presente, vindo. Passo a passo, todos os dias, mais perto.
Pelas estrelas desta alvorada, por tudo que a tanto cultivo em mim para ti.
Eu e você no sempre que já dura um nunca.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Estranha intimidade

Tragados. Gritos, acusações, dores, silêncio, cigarros. Nada mais que gestos: única linguagem vociferada por aquele hiato de nucas retesadas, olhares propositadamente esquivados, respirações sincopadas e uma vontade incontrolável de permanecer. Restava a vontade de ficar quando o tempo era partir.
Por entre taças abandonadas, melodias sem mais sentidos, acagüetes inventados como fuga, desintegravam-se os sorrisos, o carinho, a cumplicidade, a intimidade; tudo diluído na estranheza daqueles objetos e pessoas que os cercavam. Dantes: ventura, agora: desdita.
Atos e palavras nunca antes ditos ou sequer imaginados na boca do outro rasgavam ventres e arritmavam corações. Longos silêncios marcavam tréguas diminutas. Os anos resvalavam-se na voracidade em se que consumiam segundos, minutos, horas naquele longo duelo de armas e ataques invisíveis. Irreversível. Destrutível. Cruel. Posto. Holocausto.
A vontade: não ir.
Aquelas presenças beligerantes procrastinavam o término do massacre. Buscada nos olhos a esperança: fúria. Companhia: abandono. Compreensão: ira. Anistia: exílio. Matéria atraída: repelida mente.
Entrincheirados, não mais conseguiam superar lexicamente o embate; durado o bastante, corrompera ele qualquer alternativa de saída lógica para aquela situação; restava o pesado calar.
Escuro. Bar. Fechado. Chuva. Passos. Carro. Abrir. Chave. Luzes. Toque. Engano. Estranhos. Olhos. Estranhos. Olhos. Suor. Frio. Receio. Toque. Toque. Toque. Beijo. Roupas. Corpos. Corpos. Corpos. Dor. Ofegantes. Ofegantes. Olhos. Olhos. Olhos. Eu te amo. Eu te amo.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A cena muda.

Tardava sentido no peito aquele grito, a revolta, o prejuízo e o pranto; tudo quanto emudeceu seco e inaudito nele.
Vê-lo à rua em suas passagens habituais – cadente, firme, largo, tez cuidada, toalete impecável, feição leve e pressurosa certeza gestual - poderia enganar qualquer diligente observador.
Seus ecos, só ele os trazia, silentes e acomodados junto a uma infinidade de muitos outros que não mais aturdiam, porquanto, como em barganha, um a um, lhes retiraram as sinapses sensoriais da emoção.
O mundo que mais se lhe afigurava cômodo e agradável era aquele donde assistir-se travando relações sabidamente fracassadas, quando muito, arrancava-lhe dos lábios sorrisos premonitórios de perjúrio. Nada conseguia merecer o adjetivo de novidade.
Submerso neste mundo ele propunha-se a caminhar entre as ruínas dos que ficaram ou insistiram em abandonar a sua promessa de ventura.
Igual, sorridente, agradável, gentil, paciente, educado, inteligente, generoso e respeitador, aquele que ali jazia andando era o único a poder supor de sua morte.
Se sua palavra trazia consolo, era mais pelo alívio que o abandono do ouvinte ao saber-se consolado lhe renderia que por qualquer atributo altruísta e piegas porventura conseguido. No olhar, o brilho e atenção pela impaciência na demora em presença de outros. O sorriso, para que, enganando a expectativa alheia, pudesse, tomado por cordeiro, ser livrado de amenidades, taxativa e preconceituosamente por ele batizadas como banais. Não tolerava mais que a sua presença mortiça sobre a terra, muito embora se esforçasse em parecer social pela paz que a aparente normalidade o trazia.
A sua, era mais uma dentre tantas faces descartadas no ir e vir das ruas. Inacessadas, desperdiçadas, errantes, tangentes... Faces como a do Senhor sentado ao banco da praça, da Velhaca distinta e puritana que alimenta os pobres, do porteiro, do vigilante, do amante. Mais uma história da qual nunca se ouvirá.
Sentiu frio o vento que súbito cortou sua tez e lhe fez encolher sobre o casaco, cruzou a avenida fazendo gestos com a mão para os carros que apressados ameaçavam seu caminho, jogou inflexível uma moeda a um pedinte e dobrou a esquina indistinguível; inapreensível sob gestos padronais, até para aquele garoto que de passagem no ônibus tentou captar, como que em jogo, seus pensamentos através do vidro. Foi-se em segundos pela esquina, até onde o olhar juvenil não o pode mais acompanhar; seguiu, como seguirá, carregando consigo, brado mudo, a possibilidade de ter dado a qualquer outrem a chance de mudar sua vida.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Fuga(z).

Noite pagã de frêmitos agudos e quimeras fugidias, embala-me infante em seu manto de felicidade... nunca me acordes; caso ocorra, pega-me no colo, da-me teu veneno e carrega-me para o sem fim outra vez...

[ ]

Ouço as bombas estourando e as paredes parecem tremer frente aos impactos intermitentes dos metais.
Trovões, ares e cheiros de longe trazidos pelo turbilhão que engole os sons ordinários das passagens.
Como que extraído ou abduzido à lembranças e estados avessos, ou épocas e sentimentos que não me pertencem, sou levado a observar.
Em meio ao corre-corre as luzes se ascendem e pela janela ainda consigo divisar o último instante do gigante...
Passa o trem e logo atrás dele, e com ele, algo de mim que não vivi.
As crianças correm como que embaladas no percalço duma velha novidade: o aturdir de todas as horas.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Cada um pode com a força que tem.

Hoje uma cobra me picou... Suas entranhas penetrantes pareciam que nunca sairiam da minha carne macia e vulnerável. A mim ficou claro que mesmo se corresse ou gritasse não conseguiria escapar daquele bote irresilível - preso.
Dentre três, aquela fugidia ofídia era a assaz caçadora. Sua fuga deu em mim que ironicamente de chofre não pude me esquivar. Resultado: dente, veneno, sangue [o meu], carma.
Rasteira agora a peçonhenta percorria meu corpo com mais que um veneno - o sentimento de impossibilidade frente à fatalidade, impassível, fadado, marcado, sem antídoto, morto morrendo.
Suado, visão turva, sentia uma dor que não era dor, mas a frustração de não ter me desembaraçado daquela sina.
Pernas travadas, corpo fetalmente encolhido, retesado, frio, peito em chamas, síncope... Por fim abri os olhos e, mãos justapostas, orei palavras supersticiosas para afastar o que, para minha sorte, começava a se desvelar, por aparentes indícios, como uma visão – o sonho mau sonhado duma noite insólita e movimentada.
Já acordado restou no peito o aperto do fatídico encontro, embora onírico, meu e da cobra, ou das cobras, além da sensação de coisa suspensa no ar e a tentativa de antever qualquer mau presságio que aquela premonição pudesse teimosa evocar. O máximo que consegui foi repetir não ter passado dum sonho, mas como fui eu mesmo quem disse, pouco importou a tentativa de conformação; já foi o tempo em que ouvir amenidades esvaecia de súbito qualquer temor.
Restaria destilar o veneno. Era isso mesmo, teria que aceitar durante todo o dia o encontro irrefutável – eu e a coral. Entretanto agora eu decidira - seria eu ofídio a se temer.

Noite de janeiro, presságios de abril.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Benedito.

Do que se diz perda soluciona-se o futuro; como cego tateante entre possibilidades vãs e caminhos inexistentes... Recuando e avançado onde brecha abrir destino sua guia.
Do que se diz fim encontra-se o fim do fim, e tudo é fênix.
Da teia emaranhada tesoura cega corta o sufoco iminente.
Impossível. Certeza.
Não. Espera.
Nunca. Ato.
Dizem de mim e eu digo-me assim.
Quebranto quebrado, Água corrida, Desdito o dito.
Bendita a dita.
Vida.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Dantes.

Ouço a música que cantei seus olhos.
Recrio o embalo dos nossos corpos, do seu cheiro e revivo aquela dança...
Dobras, reentrâncias, pêlos, carícia e ritmos acoplados por uma balada binária e variável. Corpo no corpo. Nós.
Paro ao buscar o seu e deter-me vazio, distante. Sem contratempo perco-me em extravio.
A música insiste, agora mais alto...
Então fecho os olhos e, corpo sob o ar, ateu, oro o movimento cíclico que irá te evocar a esperança de uma última dança.