Eu versejo por todos os tempos e templos, por todas as épocas, tal qual um vampiro reinventando sua imortalidade... quero beber-te vermelho e tornar-te imortal... Boa Morte!

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

21

Desta encruzilhada posso ver o mercado e isto já me basta. De lá me chega e atiça o aroma ativo das moças suadas, dos animais, das frutas, legumes e vegetais... Não há um só charuto aceso do qual eu também não fume. Ou mesmo pinga destampada que eu não beba. Tudo aqui deste cruzamento.
A cidade dorme sob minha vigia e acorda com o meu repouso. Daqui consigo acompanhar a direção de cada passo, ouço suas pancadas e sei de todos. O da pisada firme e coração virtuoso, o que caminha torto e engana aos outros, a da chegada mansa e vida vadia... Todos. Se chegam e ficam, passam corridos, param e olham, temem, enfrentam, seguem. Uma cruz pra cada pé e um guia pra cada cabeça.
Ainda que me ignorem, sei deles. Mas o que gosto mesmo é das mulatas que, servindo a seus senhores, passam e me deixam presentes. Se da água das talhas mal equilibradas em suas cabeças não me dão beber, faço com que furtivas caiam ao chão. Se dos alimentos carregados em seus mocós não me deixam comer, um tropeço os trazem direto às minhas mãos. Hão os que de bom grado me servem à satisfação, destes como e bebo, sem lhes dar um tostão.
Nenhum dia deste caminho é igual, somente o próprio caminho. As vezes reparo os mesmos casaris, o mesmo calçamento e a mesma escuridão. Não consigo deixá-los porque há o mercado; de lá vem meu alimento, minha cachaça, minhas moças. Não preciso caminhar. Quem sabe eu tenha esquecido das pernas que tenho e viva do andar dos demais? Quem sabe? Pouco me basta, afinal sou este que se vê a esgueira nas esquinas de olho em tudo e todos, me servindo de suas andanças, incentivando, punindo, obstruindo, apoiando, censurando, gargalhando, às vezes até amando. Faço deste entreposto um assento, uma razão e um meio. Daqui desta encruzilhada - Encontros e desenlaces. Quatro caminhos. Dois senhores. Muitas escolhas e uma certeza - o passar e o eterno correr da vida.