Eu versejo por todos os tempos e templos, por todas as épocas, tal qual um vampiro reinventando sua imortalidade... quero beber-te vermelho e tornar-te imortal... Boa Morte!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Orion




Os pedaços de vidro no chão não são os estilhaços dos espelhos ferozmente quebrados após o adeus, mas o resultado dum golpe preciso, cravado em cheio num coração - partido, despedaçado, sincopado.
O sangue nos lençóis, nas portas, nos cantos, não jorra daquele coração ferido sobre a cama, mas do pranto que corre incessante por dias, noites, meses - úmido, vermelho, amargo, engolindo um corpo acuado.
O frio que faz gemer e encurvar os membros, não sopra da janela escancarada ou da porta destrancada, entreaberta; rasteja pelas entranhas duma alma perdida, sem esperanças, repleta de espectros de sonhos desfeitos; congelada, imóvel, encarcerada em sua própria desventura.
O vulto que acaba de surgir alto no cômodo não se projeta daquele ser que agoniza na cama em posição fetal a espera dum balsamo para aplacar suas dores, mas de outrem - daquele que se reergue solene e espalha cuidadosamente gasolina sobre seu próprio corpo morto, em todos os cantos, lençóis manchados, livros, cartas, fotografias...

O forte odor repulsivo sentido, não emana da líquido inflamável atiçado, mas das chamas que consomem implacáveis aqueles cacos de lar, aquele sangue, aquele frio, seu próprio dorso.

Uma última olhada, única lágrima. Nenhuma dor.
O barulho às costas não emerge da construção que desaba consumida pelo fogo, mas das vítimas desesperadas. Todas mortas. Incendiadas. Aprisionadas a um passado sem progresso, sem horizontes, de cinzas e nada mais.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A chuva


Não chore. Repito sussurrante. Digo àquele ouvido sem vibração, àquele corpo sobre o meu - inerte, àquela pele quente que me aquece, murmuro e não ouço resposta, então novamente - não chores... Enxugo o pranto. Chove. Água por toda parte, por todo o corpo, todo o quarto, pelas ruas. Chove. Choro... Não chores!